segunda-feira, 10 de outubro de 2011

REUNIÃO NOS LARES


Igreja nos Lares – Não como método, mas como estilo de vidaSempre que este tema é apresentado ou discutido, a ideia que vem à mente das  é que reuniões nos lares representam apenas um adendo ou uma estrutura funcional que auxilia a igreja – e aqui me refiro à igreja como organização – em sua missão na Terra. Sim, porque a ideia de templo como local de reunião, seja um galpão, um salão ou uma construção feita especialmente para a reunião, obscurece o valor do lar e arremete-o a um segundo ou terceiro plano.

A tradição cristã legou-nos um conceito de igreja sempre ligado a prédios ou santuários como lugares de encontro do povo e de  a Deus. Igreja virou sinônimo de prédio, templo, lugar de . “Vamos nos encontrar às 15 horas em frente à igreja”, quando, na realidade, o ponto de encontro é um prédio em algum lugar da cidade.
Os cristãos e As pessoas que vêm de uma tradição cristã não conseguem conceber uma igreja sem prédios, que se encontra em lares, praças, bosques e praias, porque a mentalidade ocidental inculcou, em nossa cultura, que, para se adorar a Deus ou realmente pertencer a uma igreja (não a um mero “grupo” ou reunião avulsa), é necessário comparecer a um templo ou santuário. Por isso, o entendimento comum considera a igreja nos lares apenas um método a mais na estratégia de evangelização quando, na realidade, é a razão de existência da igreja.
Neste estudo, abordaremos a fundamentação da igreja no lar à luz do Israel do Antigo Testamento, da prática da igreja nos dois primeiros séculos e do lugar que os lares ou as casas tiveram ao longo da história subsequente.
I. A vida religiosa de Israel no Antigo Testamento
A “igreja” do Antigo Testamento era a nação de Israel. Naquele tempo, havia um tabernáculo para acompanhar as jornadas no deserto; após o povo ter entrado na Terra Prometida, o tabernáculo esteve em Gilgal, Betel, Siló – só para citar algumas localidades – e, finalmente, em Gibeom. Posteriormente, foi substituído pelo templo de Salomão em Jerusalém, e é a partir daí que os cristãos enxergam o templo como local de adoração.
De acordo com as instruções de Deus a Moisés, todo o povo deveria ir a Jerusalém para adorar ao Senhor como nação três vezes ao ano. Os encontros no templo para celebrar a Páscoa, o Pentecoste e a Festa dos Tabernáculos destinavam-se mais a manter a unidade religiosa da nação do que servir como meio regular de culto a Deus, porque a vida religiosa de Israel, em sua expressão diária, semanal e mensal, acontecia nas casas ou nas famílias. Jerusalém era apenas um centro de referência religiosa e governamental, já que o culto a Deus, a oração, a leitura da Lei e a guarda dos preceitos eram desenvolvidos nos lares. Portanto, a vida religiosa do povo de Deus, mesmo no tempo da velha aliança, não se restringia a um local, mas se fundamentava no lar de cada israelita.
Mais tarde, as sinagogas – que alguns afirmam ter surgido na época do desterro – constituíam-se em locais de encontros aos sábados para a leitura da Lei e as orações. Havia várias sinagogas numa mesma cidade graças ao esforço benemérito de alguém mais abastado que edificava ou separava um lugar para tal finalidade. Sua utilização, porém, era limitada praticamente ao dia de descanso, o Sábado.
II. A vida religiosa do Novo Testamento nos dias apostólicos
Certos textos bíblicos, quando mal explanados, podem dar uma ideia errada do templo nos dias do Novo Testamento, como se fosse um local usado por todo o povo para adorar a Deus. Exemplo disso é o texto de Atos 2.46: “Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com  e singeleza de coração…”. Muitas pessoas, por terem um conceito errado de templo, acreditam que os primeiros cristãos reuniam-se no templo de Jerusalém e esquecem que, tanto no templo do Antigo quanto do Novo Testamento, só entravam os  para realizar os ofícios sagrados. Nem mesmo todo levita ou sacerdote podia entrar ali a menos que estivesse escalado, isto é, que seu turno o obrigasse a entrar no santuário para oferecer os sacrifícios.
O povo ficava sempre do lado de fora, aguardando o sacerdote, que ministrava ao Senhor em favor deles (como se vê em Lucas 1.10). Além disso, o templo era uma espécie de praça central da cidade, porque, ao redor dele, funcionava não apenas a vida religiosa do povo, mas também o comércio, a venda de verduras, peixes e animais para o sacrifício etc. E, como havia pátios especiais para orações, os irmãos da emergente igreja para lá se dirigiam a fim de orar, como vemos no episódio de Atos 3, em que Pedro e João foram ao templo para a oração das 15 horas. A base da vida religiosa, no entanto, continuava fora do templo, nas vilas e cidades de toda a nação.
Deus parece deixar bem claro que o verdadeiro templo é formado de pessoas e não de tijolos. Nos dias de Jeremias, o povo zombava do , dizendo: “Templo do Senhor! Templo do Senhor!”, insinuando que Deus não permitiria que o templo, local de sua habitação, fosse destruído. Jeremias os advertia: “Não confieis em palavras falsas, dizendo: Templo do Senhor, templo do Senhor, templo do Senhor é este” (Jr 7.4). O povo tinha a ideia de que, em  de guerra, poderia refugiar-se no templo e dizer: “Estamos salvos” (7.10). Mas Deus lhes tirou toda esperança: “Ide agora ao meu lugar, que estava em Siló, onde, no princípio, fiz habitar o meu nome, e vede o que lhe fiz, por causa da maldade do meu povo de Israel” (v. 12).
Jesus também profetizou (Mt 24.2; Lc 21.20) a destruição do templo de Jerusalém, a qual ocorreu no ano 70 da Era Cristã. Depois que o templo foi totalmente destruído e queimado pela ocupação romana, o povo judeu continuou com sua vida religiosa, porque, na realidade, as famílias tinham uma vida religiosa centrada no lar e não num lugar. Dessa maneira também cresceu a igreja, reunindo-se em casas e locais diversos, às vezes vários grupos de irmãos numa mesma cidade em locais separados, porque a essência da vida cristã não se resumia a um local único, mas aos lares que se encontravam em todo lugar.
Deus não precisa de templos materiais, de locais fixos para ser adorado (lembra-se do que ele disse à mulher samaritana sobre a verdadeira adoração?). O templo de Salomão, na realidade, é uma figura do verdadeiro templo – o conjunto de pessoas que formam o santuário de Deus – e aponta escatologicamente para a igreja, a casa de oração para todos os povos!
Por mais de 300 anos, desde seu início até a época de Constantino, a igreja reunia-se em casas sem precisar de um local chamado de templo ou santuário. As casas eram adaptadas para a reunião da família de Deus.
III. A igreja subsistiu, ao longo da História, nas casas e lares dos fiéis
Os livros e cursos sobre história da igreja quase sempre se limitam a relatar a trajetória das instituições cristãs através dos séculos, deixando de lado as correntes mais invisíveis, mas sempre presentes, daqueles que se mantinham fora do “sistema”. Na verdade, a fé e os valores cristãos foram preservados nesses grupos pouco organizados, que são chamados por alguns de igreja peregrina e que jamais se amoldaram ao sistema do mundo ou à instituição religiosa. Um estudo em maior profundidade constata que o uso de casas e lares pelos irmãos, através da História, foi o que determinou a continuidade da mensagem evangélica. O sistema ou a instituição costuma preservar mais os valores terreais do que os espirituais.
A dificuldade de se investigar mais sobre a igreja peregrina ou subterrânea é que esses grupos foram quase sempre perseguidos pela igreja institucional, geralmente ligada ao poder do Estado, o que resultou na destruição da maioria dos documentos históricos. Mesmo assim, podemos mencionar aqui alguns exemplos importantes do mover de Deus por meio da igreja nos lares.
1. Cátaros, Albigenses e Valdenses (desde antes do século 12). Conhecidos por esses e outros nomes, eram grupos que se reuniam em casas espalhadas pelo sul da França e norte da Espanha (cátaros e albigenses) e pelo norte da Itália (Piemonte) e vales alpinos (valdenses). Embora existam mais registros históricos dos valdenses, a partir do século 12, há várias evidências de que todos eles se consideravam uma continuação histórica dos cristãos dos primeiros séculos. De fato, é certo que, desde os tempos de Constantino, havia pequenos grupos de crentes em várias regiões da Europa ocidental desvinculados da cristandade organizada.
Assim, séculos antes da Reforma Protestante, já havia um  vivo e dinâmico atuando fora das instituições reconhecidas. Tal como os mosteiros serviram de berço para que as riquezas da palavra de Deus fossem preservadas nas perseguições, as casas ou os castelos em feudos e colônias serviram de sementeira para as reformas espirituais.
As  principais desses grupos eram a simplicidade, o desapego a bens materiais (muitos vendiam propriedades e bens para doar aos pobres seguindo, literalmente, a ordem de Jesus ao jovem rico em Mateus 19.21) e a rejeição à autoridade eclesiástica institucional e a práticas religiosas comuns, como adoração a ídolos. Alguns eram pregadores itinerantes e chegavam a intimidar os líderes da igreja institucional com o poder de unção e convicção que havia em suas pregações.
2. Irmãos Unidos, Lolardos e Amigos de Deus (século 13). Contemporâneos de John Wycliffe da Inglaterra e Jan Hus da Boêmia (hoje, República Tcheca), esses grupos já proliferavam sementes da Reforma no século 13, 200 anos antes de Lutero. Fugindo da perseguição, à semelhança dos valdenses, Os Amigos de Deus muitas vezes nem casas tinham nos vilarejos; construíam pequenos agrupamentos de casas nas montanhas – como foi o caso de John Tauler de Oberland, que usou os próprios recursos para edificar refúgios nas montanhas.
Ao mesmo tempo, na famosa Universidade de Oxford, havia muita gente estudando as Escrituras em pequenos grupos e reunindo-se em casas como resultado da influência dos valdenses, de Wycliffe e seus seguidores, os lolardos, semeando ideias da Reforma entre a classe estudantil e professoral.
3. Irmãos e Anabatistas (século 16). Durante as fortes turbulências religiosas e políticas da época da Reforma, esses grupos mantinham-se fora não só da Igreja Romana, mas também das novas instituições protestantes, reunindo-se em casas e sendo perseguidos por luteranos e zwinglianos. Assim, as chamas da simplicidade e da igreja baseada no convívio familiar continuavam acesas.
4. Sociedades metodistas (século 18). Durante o avivamento de Wesley e Whitefield, as reuniões em casas eram chamadas sociedades. Além das reuniões regulares aos domingos, os cristãos reuniam-se em grupos pequenos para acompanhar o  espiritual e encorajar a confissão de pecados e a prática de uma disciplina saudável na vida de cada irmão.
Na verdade, a origem dessa prática é anterior a Wesley, pois existem registros de que, em 1678, criaram-se “sociedades” para fortalecimento e enriquecimento espiritual dos irmãos a partir dos sermões de avivamento do Dr. Antony Horneck na capela Savoy. O objetivo era organizar grupos de  para orar, estudar a Bíblia e conferenciar semanalmente.
Mais tarde, ficou estabelecido que cada membro deveria trazer pelo menos outra pessoa para as reuniões, o que aumentou consideravelmente o número de integrantes. No ano de 1698, havia 32 grupos apenas na cidade de Londres.
Ao que parece, a igreja não se reunia nas casas como um modelo para o avivamento, mas como forma de permanecer fiel aos ensinamentos dos primeiros apóstolos que a igreja dominante deixou de observar. Deus sempre teve seus fiéis ao longo da História. Que nossa casa sirva também de guardiã da Fé de nossos pais.
Fonte: Revista Impacto

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