Rute 1.1-7; 19-21
O AT está repleto de grandes heróis da fé: homens e mulheres que em nome de Deus, realizaram proezas, experimentaram o sobrenatural em suas vidas, foram instrumentos dos poderosos atos de Deus entre os povos.
O livro de Rute, no entanto, diferentemente da maioria dos livros do AT, trata da “ação oculta de Deus” através de pessoas comuns; trata da “quase imprescindível” ação de Deus no cotidiano de uma família israelita; trata do “agir poderoso de Deus”, sem estardalhaços, na vida de pessoas simples e comuns.
No livro de Rute o maná não cai do céu, nem a água sai da rocha, mas o Deus da provisão se faz presente; o mar não se abre, o fogo não desce do céu, mas sua mão poderosa age de maneira irresistível; não existem terremotos, raios, nem trovões, mas a presença calma e tranquila de Deus é perceptível.
E, apesar de não relatar fatos espetaculares, acontecimentos miraculosos, o livro de Rute, fala de, pelo menos, um herói ilustre (Boaz) e duas heroínas (Noemi e Rute).
Então, quem são os heróis de Deus no livro de Rute? O que esses heróis nos deixaram como exemplo?
1. São pessoas simples e comuns que vivenciam tragédias, sofrem os efeitos psicoemocionais das tragédias, mas não abrem mão da sua fé (1.13,20,21)
V.1a è Noemi viveu numa época de caos espiritual, caos político, caos social. Ela viveu na época dos juízes.
V.1b è Ela viveu numa época de escassez de alimento, de campos improdutivos, de sobrevivência ameaçada.
V.1c è Por causa da fome, Noemi foi forçada a migrar para outro país historicamente inimigo do seu povo. Ela passou a viver longe de sua terra, de parentes e amigos, do aconchego do seu lar, do seu ambiente familiar.
V.3 è Como se não bastasse, em terra estranha, perdeu o marido.
V.5 è Agora, sem marido, em terra estranha, perdeu também os dois filhos. O texto ressalta o seu desamparo.
Restava a Noemi apenas a quase certeza, a dura realidade de ver a extinção de sua família; seus filhos morreram sem deixar descendentes. Em Israel, não havia tragédia maior do que uma família deixar de existir. Ter o seu nome apagado da história.
Quando lemos os vs. 13, 20, 21 percebemos que Noemi não passou ilesa pelas tragédias, não tirou de letra, não manteve o sorriso nos lábios para dar uma satisfação à sociedade de que servo de Deus não pode andar cabisbaixo, não se mostrou gelada como uma coisa sem vida e sem sentimento.
Com suas palavras ela revelou os efeitos das tragédias na sua alma, nas suas emoções, nos seus sentimentos. Noemi sentiu profundamente o “baque”.
Provavelmente os efeitos das tragédias na vida de Noemi se mostravam na sua aparência.
No v.19 a chegada de Noemi em Belém provocou uma comoção geral. Noemi saíra de Belém casada e voltara viúva; saíra com dois filhos e voltara com o atestado de óbito de ambos. Saíra cheia e voltara vazia, saíra em busca de uma vida melhor e se deparara com o pior.
Vejamos no v.20 como ela reagiu a essa comoção. “Porém, ela lhes dizia: Não me chameis Noemi: chamai-me Mara, porque grande amargura me tem dado o Todo-Poderoso”.
è Não me chamem Noemi (agradável); esse nome não condiz com o meu momento; esse nome distoa completamente dos meus reais sentimentos; esse nome é uma contradição das marcas deixadas pelo Todo-Poderoso em minha alma; não me chamem Noemi, pois a minha situação não está nada agradável.
Ao invés disso, me chamem de Mara, chamem-me de amarga; este nome está mais de acordo com o meu momento; sim, condiz com os meus reais sentimentos; este nome revela verdadeiramente as marcas deixadas pelo Senhor em minha alma; chamem-me “Mara”, Amarga, porque grande amargura me tem dado o Todo-Poderoso.
Se Noemi vivesse em nossos dias, e fosse membro de nossa igreja, o que diríamos pra ela diante de tais declarações?
Talvez diríamos: “Mulher, Noemi, não diz isso não! Não fale assim do Senhor nosso Deus!”
Que tipos de comentários faríamos, posteriormente, na ausência de Noemi?
“Mas mulher, tu nem sabes! Noemi deu mau testemunho, escandalizou o evangelho na frente das mulheres da cidade! Tu nem sabes o que ela disse na frente de todo mundo!”
Amados, a presença de Deus em nós não nos desumaniza, não nos torna uma coisa fria, sem vida e destituída de sentimentos.
O que Noemi fez foi verbalizar os seus reais sentimentos. Ela sentiu os efeitos psicoemocionais das tragédias em sua vida e verbalizou o desgosto do seu coração.
Mas algo nos impressiona nessa mulher que nos permite chamá-la de “heroína da fé”.
Mesmo amargurada e desgostosa com Deus; mesmo tendo sofrido os efeitos psicoemocionais das tragédias em sua vida, Noemi não perdeu a sua fé, não abriu mão do seu Deus, não perdeu totalmente a visão correta do Senhor.
Ela foi capaz de abençoar e desejar as bênçãos do Senhor sobre suas noras. 1.8,9
Apesar do que aconteceu com ela, apesar da amargura e desgosto no coração, Noemi não deixou de crer que o Senhor é benevolente, abençoador e proporciona felicidade aos que Nele confiam. Quando disse isso, Noemi não estava fora de si, não estava em estado de choque; ela estava lúcida, tinha plena consciência do que estava dizendo.
Ela mostrou-se convicta que o seu Deus tem o controle até mesmo das tragédias da vida. (1.13,20,21)
Noemi mostrou-se plenamente convicta de que as coisas que aconteceram com ela não foi obra de deuses pagãos, não foi produto do acaso, não foi produto do destino, não foi por má sorte, não foi o seu carma, não era a sua sina, não foi consequência do que fizera numa encarnação passada, não foi obra do diabo, “ela não disse que o inimigo estava furioso com ela”; pra ela o seu Deus era o responsável direto pelas suas tragédias. Para Noemi, assim como para nós o Senhor é soberano, não somente no bem que nos ocorre, mas Ele é soberano também nas tragédias que nos atingem.
Noemi manteve a condição que o Senhor não se esquece para sempre dos seus (1.6)
Noemi recebeu a informação, ouviu a notícia que o Senhor visitara (se lembrara), resolvera mudar a sorte de seu povo. Observemos que Noemi não se dispôs a voltar para Belém porque ouviu falar que “as coisas melhoraram”, que “a situação econômica do seu país havia mudado”; ela resolveu voltar para Belém porque ouvira falar que o Senhor se lembrara do seu povo, que o Senhor havia mandado chuva e fertilidade para os campos do seu povo.
Ou seja, apesar da amargura e desgosto no coração; apesar das feridas na alma; apesar das tragédias sofridas, Noemi não deixou de crê que o Senhor Deus não se esquece para sempre do seu povo. Motivada e impulsionada por essa convicção voltou para sua terra e para o seu povo.
Em segundo lugar, os heróis de Deus no livro de Rute…
2. São pessoas simples e comuns que servem a Deus por ser Ele Deus, e nada mais (1.16)
Depois de toda insistência e argumentação de Noemi, Orfa uma de suas noras retornou para sua família, sua terra e para o seu deus.
Rute permaneceu com sua sogra e para que ela não insistisse nem argumentasse mais, Rute disse: “Não me instes para que te deixe e me obrigue a não seguir-te; porque aonde quer que fores, irei eu e, onde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus.” (1.16)
Em toda a bíblia, essa é uma das maiores confissões de amizade, de amor e de fé.
Para acompanhar a sua sogra, Rute resolvera não somente deixar a sua terra e o seu povo, mas também o seu deus (ela era adoradora de Camos). Ela disse para Noemi: “…, o teu Deus é o meu Deus”.
Abraão deixou sua terra, seus parentes e seus deuses. No entanto, esse seu passo de fé teve como base, como fundamento um chamado e uma promessa (Gn 12.1-3)
Rute à semelhança de Abraão também resolveu deixar sua terra, seus parentes e o seu deus Camos, mas o livro não registra que houve um chamado nem tão pouco uma promessa.
Rute resolveu servir ao Deus de Noemi, apesar do testemunho que ela dera anteriormente do que o seu Deus havia feito com ela. (1.13)
Conforme vimos, Noemi atribuiu ao Senhor a responsabilidade pelas suas tragédias (a fome, o exílio, a sua viuvez, a perda dos dois filhos).
è Mesmo diante do testemunho pouco atrativo de Noemi, Rute decidiu servir a Deus. Isso é ser uma heroína ilustre!
Sem promessas de benefícios, sem perspectivas de dias melhores, sendo conhecedora de que esse Deus havia tornado amarga a vida de sua sogra, ouvindo um testemunho amargurado de uma serva desse Deus, ela abre o seu coração e os seus lábios e professa: … o teu Deus…, esse acerca do qual você acabou de falar, … é o meu Deus.
Amados, Rute resolveu servir a Deus por ser Ele Deus, e nada mais. Isso é ser uma heroína da fé!
A atitude de Rute lembra o que Jesus disse acerca do centurião.
“… nem mesmo em Israel achei fé como esta”. Mt 8.10
Nem mesmo no círculo chamado “povo de Deus, nem mesmo entre aqueles com quem eu tenho aliança, achei fé como esta!”
Amados, a atitude dessas duas grandes heroínas deve nos levar, no mínimo, a refletir, questionar a nós mesmos: como reagimos às perdas da vida? Como reagimos às notícias desagradáveis que chegam à nossa casa? Como passamos a enxergar Deus quando Ele permite ou mesmo provoca situações desagradáveis em nossas vidas? Como encaramos o nosso Deus quando em lugar da abundância vivemos a escassez? Quando Ele nos tira ou permite que as circunstâncias nos levem a lugares ou a ambientes nada aconchegantes, nada familiares?
Como reagimos quando em lugar de cura e de vida, o Senhor permite a doença e a morte? Como reagimos quando em busca do melhor nos deparamos com o pior?
Pensando em Rute, podemos perguntar: Com que motivação servimos ao Senhor? O servimos pelo que Ele é ou tão somente pelo que Ele fez e pode fazer por nós? O servimos por ser Ele Deus ou por algo mais?
Portanto, em Rute, os heróis da fé, (1) são pessoas simples e comuns que vivenciam tragédias, sofrem os efeitos psicoemocionais das tragédias, mas não abrem mão da sua fé. (2) São pessoas simples e comuns que servem a Deus por ser Ele Deus e nada mais.